Luz del Fuego, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no ES em 1917. Seu
nome verdadeiro era Dora Vivacqua. Ela vem para o Rio na decada de 30
pois era amante de Jose Mariano Carneiro da Cunha Neto. Homem de uma
importante familia carioca.
Na década de 40 ela ja se apresentava com suas serpentes no Circo
Pavilhão Azul. Nessa época usava o pseudonimo de Luz Divina. Luz del
Fuego veio depois, pois nome estrangeiro chamava mais atenção do
publico.Na decada de 50 Luz del Fuego vieu o seu auge, sendo persegiida pelos seus irmãos, politicos do ES, pois sua imagem e postura os prejudicava nas eleições. Lançou o livro chamado Tragico Black Out, onde entre outras revelações bombásticas pregava o naturismo (nudismo) e a alimentação vegetariana. Lançou um segundo livro chamado A Verdade Nua, onde publicou as bases do naturismo. O livro foi recolhido pelas autoridades e a segunda edição foi vendida por reembolso postal. Criou o PNB, Partido Naturista Brasileiro (imagina isso na década de 50!!), com o dinheiro arrecadado com as apresentações que fazia semi nua nas escadarias do Teatro Municipal na Cinelândia. Os familiares políticos conseguiram proibir o partido.
Teve um caso com o Ministro da Marinha e conseguiu uma ilha onde iria morar pelo resto da vida, a conhecida Ilha do Sol, onde fundou seu clube de naturismo.
O clube tinha regras muito duras como:
As roupas deviam ser deixadas na entrada, junto ao pequeno cais de madeira. Era terminantemente proibido levar bebidas alcoólicas, proferir palavrões ou praticar sexo na colônia. A diferença entre naturalismo e libertinagem era veementemente ressaltada: ‘Aqui não é rendez-vous nem motel. Se querem farra e sexo, fiquem nos seus apartamentos em Copacabana’.
Luz del Fuego foi julgada na 3a Câmara Criminal por suas atitudes de desacato à autoridade e ser internada num hospital para se curar de suas ideias de nudismo, natureza, ilhas desertas, etc. O julgamento começou a favor dela pois nada havia nos autos que indicasse que ela era insana.
Em 1967 foi assassinada pelos irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart “Gaguinho" que armaram uma emboscada para ela fazendo-a entrar no barco deles para supostamente pegar o dela que estava à deriva. Foi assassinada com golpes na cabeça. Seu vigia teve o mesmo fim. Os seus copros so foram encontrados submersos nas águas da Baia da Guanbara, proximos à Ilha do Sol, 13 dias depois, quando os assassinos já presos confessaram o crime e apontaram o local dos cadaveres.
Da infância à maioridade
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21 de fevereiro de 1917 - Nasce Dora Vivacqua, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Era madrugada de uma segunda-feira de carnaval. Dora foi a décima quinta filha de Etelvina e Antônio Vivacqua. Tinha adoração pela irmã Mariquinhas Vivacqua (“queria que ela fosse sua mãe”), musa de Carlos Drummond de Andrade.
- Início dos anos 20 - A família Vivacqua se muda para Belo Horizonte, em Minas Gerais. Dora conhece o serpentário do Instituto Ezequiel Dias e este passa a ser seu passeio preferido.
- 1929 - As seis filhas mais velhas do casal Vivacqua estavam casadas. Etelvina resolve voltar para Cachoeiro e ficar perto do marido. Nessa época, Dora entrava na adolescência e seu gênio assemelhava-se cada vez mais ao da irmã Mariquinhas. Não aceitava ordens nem opiniões sobre sua vida.
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29 de agosto de 1932 - Antônio Vivacqua, pai de Dora, é assassinado em Cachoeiro do Itapemirim por pessoas que, dias antes, ele havia despejado de um dos seus inúmeros terrenos. Rubem Braga e seu irmão, Newton Braga, foram os primeiros a chegar ao local do crime. Dora estava com quinze anos e se sentia sufocada na pequena Cachoeiro. Nem mesmo Vitória lhe era conveniente. Queria ir para o Rio de Janeiro. Abominava o uso do sutiã. Desfilava pela praia de Marataízes de calcinha e bustiê improvisado com lenços quando o biquini ainda estava longe de constar do vocabulário nacional. Com a morte de Antônio, Etelvina volta para Belo Horizonte. Dora também, mas logo em seguida vai para o Rio, então capital federal, sob a tutela de seu irmão Attilio.
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Janeiro de 1936 - Dora está com 19 anos e vive um romance - inicialmente comemorado e agora já intolerado - com José Mariano Carneiro da Cunha Neto que pertencia a uma das mais importantes família do Rio. Attilio manda-a de volta para Minas onde sua irmã Angélica flagra - em sua própria cama - seu marido Carlos, um dos maiores empreiteiros do Brasil à época, bolinando Dora. A maior parte da família preferiu acreditar nas mentiras de Carlos e tomou Dora como esquizofrênica. Isso lhe custou dois meses de internação no Hospital Psiquiátrico Raul Soares, em Belo Horizonte, e dez quilos a menos.
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1936 - Seu irmão Achilles enfrentou Carlos e o proibiu de voltar à casa dos Vivacqua (o que não aconteceu até que Achilles morresse em dezembro de 1942). Preocupado com o estado que Dora saíra do hospital, Achilles a convence a passar uma temporada na fazenda de Archilau, outro irmão, quatorze anos mais velho que ela. Tinha liberdade até que apareceu como “Eva” - com três folhas de parreira presas nos seios e no púbis e duas cobras-cipós como braceletes - para o filho do administrador da fazenda, responsável em acompanhá-la onde quer que fosse. Quando repreendida por Archilau, jogou-lhe um vaso de cristal na testa. Toda essa rebeldia causou uma segunda internação, desta vez na Casa de Saúde Dr. Eiras, famosa clínica psiquiátrica do Rio de Janeiro. Achilles intervém mais uma vez e Mariquinhas resgata Dora, levando-a para morar com ela em Cachoeiro. Por pouco tempo. Dora foge para o Rio.
- Novembro de 1937 - Dora está mais uma vez no Rio. Retoma seu romance com Mariano mas não aceita oficilizar a relação. Aventurou-se como pára-quedista, mas foi logo proibida por Mariano. Apaixonada, aceitou e viu no pedido uma demonstração de amor. As desavenças começariam quando decidiu fazer um curso de dança na academia Eros Volúsia.
O surgimento de Luz del Fuego
- 1944 - E atenção, senhoras e senhores! Chegou o momento da grande atração da noite! Com vocês, a única, a exótica, a mais sexy e corajosa bailarina das Américas! Luz Divina e suas incríveis serpentes! Dora estava fazendo sua estréia como Luz Divina no palco do picadeiro do Circo Pavilhão Azul. Depois de dois anos, dezessete dias e quase uma centena de mordeduras, fazia seu espetáculo na companhia do casal de jibóias Cornélio e Castorina.
- 1945 - A Segunda Guerra estava chegando ao fim e Dora anotava suas experiências pessoais em um diário. Naquele tempo haviam treinamentos de blackout que deixavam Copacabana às escuras, “preparando-se para imaginários ataques dos inimigos”.
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1947 - Luz Divina, por sugestão do amigo e palhaço Cascudo, mudaria o nome para Luz del Fuego, nome de um batom argentino recém-lançado no mercado. Segundo seu amigo, “nome estrangeirado atraía público”. Dora gostou da sugestão. A imagem do “fogo” representava bem sua nova opção de vida, já que antes ela era “água viva” (Vivacqua). Luz já havia salvado vários circos da falência com seus espetáculos e era contratada pela primeira vez pelo casal Juan Daniel e Mary Daniel, donos do Follies, um pequeno teatro em Copacabana. Suas falas - que ela nunca decorava - ficaram sob responsabilidade de um jovem membro da família que, aos doze anos, ingressava na carreira artística: Daniel Filho. O espetáculo Mulher de Todo Mundo fez muito sucesso. As notas na imprensa começaram a aparecer e, ainda que desvinculada do nome Vivacqua, as atividades de Luz causavam incômodo à família. Attilio havia sido eleito senador e ter uma irmã dançarina era um prato cheio para os adversários. Não bastasse isso, Luz resolve publicar seu diário com o título de Trágico Black-Out. Trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado, e fatos que aludiam a uma prostituição assumida davam o tom do livro. Attilio conseguiu comprar mais da metade da edição - mil exemplares - e colocar fogo nos volumes. Na orelha do livro, Luz anunciava um segundo com o sugestivo nome de Rendez-vous das Serpentes. Mas no ano seguinte (1948), ela publicaria A Verdade Nua, também autobiográfico e no qual lançava as bases de sua filosofia naturista. A família não precisou se preocupar desta vez, porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. A segunda edição foi vendida por reembolso postal. O dinheiro serviria para arrendar uma ilha na qual instalaria a sede de seu clube naturalista.
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1950 - As idéias naturalistas de vegetarianismo e nudismo apresentados em seu segundo ivro começavam a ser colocadas em prática. “Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder”. Luz começou a tornar públicas suas idéias em um país onde ainda não se usava maiô de duas peças nas praias e o culto ao corpo se resumia ao concurso de Miss Brasil. Começou então a reunir um pequeno grupo de amigas na praia de Joatinga, próximo a sua casa na avenida Niemeyer. Apesar de ser uma praia deserta devido ao difícil acesso, Luz levava Domingos Risseto, Miss Gilda e Miss Lana (estes dois, transformistas amigos de Luz), alguns cães e, claro, Cornélio e Castorina, “sua maior garantia contra os abelhudos”. Todo esse cuidado não impediu que a polícia chegasse até lá e levasse todos para a delegacia. Luz percebeu então que o nudismo lhe asseguraria estar em evidência.
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Primeira metade dos anos 50 - Luz del Fuego causava furor por onde passava. Do Rio de Janeiro, passou a ser conhecida em todo o país. Seus shows eram garantia de bilheteria certa e levavam todos ao delírio. Era o tempo das vedetes: Mara Rúbia, Virgínia Lane, Dercy Gonçalves e Elvira Pagã, sua maior rival. Luz chegou a ser capa da revista Life, nos Estados Unidos. Doava rendas de seus espetáculos para instituições beneficentes fazendo leilões de si mesma. Foi multada e detida para interrogatórios várias vezes, depois alardeava em praça pública que o delegado - juiz ou prefeito - era muito duvidoso para seu gosto, porque “homem que é homem aprecia a beleza do corpo feminino”. E era detida outra vez, por desacato à autoridade. Seus irmãos se projetavam na política, no comércio e na área artística. O parentesco era inoportuno e eles a perseguiam cada vez mais. Attilio comprava edições inteiras de revista nas quais Luz aparecia e perdeu as eleições para governador no Espírito Santo (o adversário espalhara cabos eleitorais fantasiados de padres que andavam pelo interior do estado apregoando que o senador Vivacqua era irmão de uma mulher demoníaca). Luz tirava proveito da situação e, quando necessitava de dinheiro, ameaçava dançar nua nas escadarias do Senado. Attilio a chamava de chantagista, mas ela dizia que estava apenas cobrando a parte que lhe surrupiaram da herança paterna. Dizia que seu banco preferido era o “Preconceito S.A., de propriedade dos meus irmãos”. Enquanto isso Luz se cercava de amigos homossexuais e de seu principal parceiro no palco, Domingos Risseto. Criou o PNB - Partido Naturalista Brasileiro e conseguiu isto à custa de espetáculos gratuitos, seminua, nas escadarias do Teatro Municipal. Attilio conseguiu que o partido não fosse registrado. Luz seduziu o ministro da Marinha para conseguir a cessão de uma ilha para a sede de sua colônia. Conseguiu a ilha de Tapuama de Dentro, que tinha dois terços de seus oito mil metros quadrados formados de rochas, além de cactos e arbustos secos. Sentiu-se enganada e com vontade de desistir, mas isto não era de sua natureza. “Domingos”, gritou do alto de um rochedo, “não é linda a nossa Ilha do Sol?
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Segunda metade dos anos 50 - A Ilha do Sol passou a ser uma das grandes atrações do Rio de Janeiro, apesar de não fazer parte dos roteiros turísticos oficiais. Várias estrelas do cinema americano conheceram a ilha: Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Powel, César Romero, Glenn Ford, Brigitte Bardot e Steve MacQueen, que encerrou sua temporada de uma semana na ilha depois de acordar com uma das jibóias de Luz sobre seu peito. Em 1959, a loiríssima Jayne Mansfield e seu marido aportaram na ilha, mas foram proibidos de descer pois Jayne não queria ficar nua.
- Anos 60 - Luz passou a viver na e para a Ilha do Sol. Suas reservas financeiras foram terminando, a idade foi chegando e o mito começou a desaparecer. Seus amantes já não eram homens influentes e ricos. Envolveu-se com Júlio, um pescador musculoso e analfabeto, com quem manteve uma relação de muitos meses. Para que ele fosse vê-la diariamente, sustentava sua família em Paquetá. Seu último amor foi o guarda portuário Hélio Luís da Costa. Casado e com dois filhos, mandava o dinheiro de Luz para casa enquanto passava suas folgas na ilha. Os amigos quiseram alertá-la para um possível perigo do envolvimento com pessoas “deste nível”. Ela respondia que não se preocupassem e arrematava: “Eu sou uma Luz que não se apaga”.
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Julho/agosto de 1967 - Os irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart “Gaguinho” armaram uma emboscada para Luz del Fuego no dia 19 de julho de 1967. As ações criminosas de Mozart haviam sido apontadas à polícia por Luz, e ele queria se vingar. Atraiu Luz ao seu barco e a matou. Fez o mesmo com o caseiro Edgar. O crime só foi desvendado duas semanas depois, a partir do depoimento que um coveiro deu aos jornalistas Mauro Dias, do jornal O Dia e Mauro Costa, do jornal Última Hora. Alfredo foi preso e confessou a participação nas mortes. Os corpos foram resgatados no dia primeiro de agosto. Gaguinho escapou de forma espetacular trocando balas com a polícia durante quinze dias. Somente depois de ter matado um cabo foi preso. A morte de Luz del Fuego poderia não importar à polícia, mas a de um colega militar, em plena ditadura, era algo imperdoável. Gaguinho foi preso e, junto com o irmão, condenado à pena máxima. Cumpriu sua pena no manicômio judiciário do Rio de Janeiro. Alfredo converteu-se a uma igreja evangélica e buscou o arrependimento e o perdão através de uma missionária de nome Dora. Ditou a um colega de cela os detalhes de seus crimes e chamou o relato de A Tragédia da Ilha do Sol.
Notícia do resgate dos corpos no Jornal do Brasil - 2 de agosto de 1967
O texto original foi mantido.
Pescador foragido confessa que matou Luz del Fuego com cumplicidade do irmão
Niterói (Sucursal) - Ao contrário do que disse
à polícia anteontem, ao ser preso, o pescador Alfredo Teixeira
Dias, foragido do Presídio-Geral do Estado do Rio, acabou confessando
a autoria do assassinato de Luz del Fuego e do vigia Edgar, com a cumplicidade
do irmão, Mozart Gaguinho. A confissão foi feita ontem, na
delegacia de Vigilância e Capturas de Niterói.
O pescador, que está prêso na Secretaria
de Segurança Fluminense, declarou ao delegado Godofredo Ferreira
da Silva Filho que êle e o irmão praticaram o crime na noite
do último dia 19, entre as Ilhas do Sol e das Capuanas de Baixo.
Revelaram que a vingança foi o motivo do assassinato, pois “há
tempos Luz del Fuego nos denunciou”.
COMO FOI
Em seu nôvo depoimento, Alfredo
Teixeira Dias revelou que no dia 19, por volta das 18 horas, partiu com
o irmão para a Ilha do Sol, onde não puderam desembarcar
porque os cães da ex-vedete logo notaram a presença de estranhos.
Conseguiram entretanto, com todo cuidado, cortar a corda que amarrava uma
canoa de Luz del Fuego. Levaram-na até a Ilha das Capuanas, já
planejando atrair a ex-vedete para uma armadilha.
Mozart Gaguinho gritou então, chamando
Luz del Fuego, que logo apareceu, de calça, à beira do cais,
com um revólver calibre 38 na mão e perguntando o que “havia”.
Gaguinho respondeu que a sua canoa se afastara.
Disse Alfredo que Luz del Fuego não
relutou em embarcar na canoa dos dois, a fim de recuperar a dela. Pouco
depois, Mozart Gaguinho pediu que Luz del Fuego lhe entregasse a arma.
Nesse momento, Alfredo deu uma pancada em sua cabeça, com um cacete.
Em seguida, mais dois golpes fatais.
Deixaram o corpo na Ilha das Capuanas
de Baixo e voltaram à Ilha do Sol, onde chamaram o vigia Edgar.
Pediram que êle trouxesse uma corda e um remo, a fim de que a canoa
de sua patroa fôsse rebocada. Edgard, segundo disse Alfredo, não
veio com os objetos solicitados, mas com uma foice. Hesitou um pouco, mas
decidiu entrar no barco de Alfredo e Gaguinho, sentando-se entre os dois.
Os dois cadáveres, colocados em uma baleeira
com algumas manilhas e duas enormes pedras, depois de retiradas as vísceras,
à faca, foram ao fundo a 200 metros da Ilha do Sol para onde, em
seguida, Alfredo e seu irmão se dirigiram, assaltando a casa da
vítima. Levaram para a Ilha do Pontal tudo que haviam encontrado
de valor - uma radiovitrola, dois rádios de pilha portáteis,
uma máquina de costura e NCr$ 80,00 (oitenta mil cruzeiros antigos)
, encontrados numa bôlsa, sob um travesseiro. Apanharam ainda um
lampeão a gás, várias tarrafas de nylon, um binóculo
e os óculos de Luz del Fuego.
Afirmou ainda Alfredo que, na madrugada
do dia 21, Mozart Gaguinho o levou da lha do Pontal para a Ilha do Governador.
Disse que há cerca de sete meses, Luz
del Fuego indicou à Polícia o lugar onde êle, foragido
do Presídio-Geral do Estado, estava escondido. Entretanto, Alfredo
conseguiu “enganar as autoridades”. Quanto ao irmão, Luz del Fuego
entregou-o certa vez à Polícia Marítima, que só
não o prendeu devido a uma interferência do guarda portuário
Hélio Luís.
NA PISTA DE GAGUINHO
Mozart Gaguinho foi localizado ontem à
noite, por policiais da Delegacia de Vigilância Fluminense, mas conseguiu
fugir pelos fundos de uma casa, na Praia da Luz, em São Gonçalo,
rompendo o cêrco a tiros e desaparecendo ao subir o Morro da Luz.
Uma pessoa que deu alimentação
ao criminoso foi quem levou a Polícia até onde êle
se encontrava.
Marinha achou corpos perto da
Ilha do Sol
Os homens-rãs da Marinha retiraram
às 13h30m de ontem os corpos de Luz del Fuego e do vigia Edgar do
fundo da Baía da Guanabara, a menos de 100 metros da Ilha do Sol.
Três lanchas do Corpo Marítimo
de Salvamento auxiliaram os homens-rãs em seu trabalho, que durou
várias horas e foi realizado sob a orientação de Alfredo
Teixeira Dias, autor do crime, mas que dizia antes da confissão
ter apenas ajudado a fazer desaparecer os cadáveres.
A LONGA BUSCA
Os corpos permaneceram submersos durante
13 dias e foram encontrados ontem, finalmente, cortados de alto a baixo
no abdome, cheios de pedras e amarrados à baleeira.
O guarda portuário Hélio
Luís, ex-amante de Luz del Fuego, e considerado como o principal
suspeito até ontem, participou dos trabalhos de busca dos corpos
nas proximidades da Ilha do Sol.
As primeiras pistas que a Polícia obteve
foram fornecidas pelo próprio Hélio Luís, que estêve
durante uma manhã inteira à procura da amante. Na ocasião,
levantou a possibilidade de assassinato e acusou o delinquente Mozart
Gaguinho da autoria do crime.
Ilha do sol/
Anos 1950/Rio/Luz del FuegoFoto: Paulo Pereira
Luz e amigos naturistas
A Ilha do Sol
O primeiro reduto naturista
da América Latina, a Ilha do Sol, abrigava o Clube Naturalista
Brasileiro, criado por Luz del Fuego. No livro Luz
del Fuego - A bailarina do povo (páginas 218 a 220), Cristina
Agostinho descreve como era a Ilha do Sol.
“Nos
fins de semana, os sócios do clube apareciam. Luz controlava tudo,
mesmo com a ilha repleta de gente. As roupas deviam ser deixadas na entrada,
junto ao pequeno cais de madeira. Era terminantemente proibido levar bebidas
alcoólicas, proferir palavrões ou praticar sexo na colônia.
A diferença entre naturalismo e libertinagem era veementemente
ressaltada: ‘Aqui não é rendez-vous nem motel. Se
querem farra e sexo, fiquem nos seus apartamentos em Copacabana’. Só
eram permitidas as atividades saudáveis. Nadar, jogar vôlei,
tomar banho de sol, etc.
“Por mais ditatorial que fosse, Luz não
conseguia ser onipresente nos oito mil metros de sua ilha e, por detrás
dos panos, ou melhor, das pedras, os farristas acabavam transgredindo as
regras. (...)
“Outro
problema era controlar os atrevidos que passeavam ao redor da ilha para
ver as pessoas nuas. Ninguém podia se aproximar sem autorização.
Era perigoso. Corriam o risco até de levar tiro. Luz não
permitia que os empregados usassem armas, mas, por cautela, seu trinta-e-oito
estava sempre à mão. E que não duvidassem de sua pontaria!
Diariamente a treinava. O velho Edgar e Luiz Mertelo, um mulato contratado
para os serviços pesados, mantinham-se atentos aos intrusos. Mal
eles apareciam, davam o alarme. (...)
“O zelo pelos associados incluía
proporcionar a eles um ambiente descontraído e alegre. Muitas vezes
Luz preparava sketchs teatrais com Miss Lana e Risseto para diverti-los.
Ou passava filmes-documentários sobre as colônias nudistas
da Europa.
“Mas a grande diversão
na Ilha do Sol era os bailes de carnaval. A organização
era primorosa. Cada pessoa que chegava recebia um cabide numerado para
suas roupas e uma plaquinha com o mesmo número, para dependurar
no pescoço. Depois de se molhar, o folião ganhava uma baforada
de confete pelo corpo. Além desse, o único adereço
permitido era a máscara.
“A
segurança era feita por guardas portuários escolhidos a dedo
por Luz del Fuego em companhia de Risseto e Miss Lana. (...) Durante a
festa, os guardas distinguiam-se dos foliões apenas pelo quepe.
Da mesma forma, os garçons eram identificados pela gravatinha-borboleta.
“A ilha ficava apinhada de gente.
Com a finalidade de angariar fundos para as melhorias do clube, convites
eram vendidos também a não-sócios.
“Nessas ocasiões, Luz sabia ser
impossível exigir a observância do regulamento. Depois de
dar as boas-vindas aos convidados e supervisionar os serviços, ela
escapava às escondidas. O circo que pegasse fogo! Quando os boatos
de orgias na ilha começavam a circular e os jornalistas a procuravam,
brindava-os com aquele famoso arzinho inocente:
‘- Meu amor, como vou saber? Eu nem estava lá...
‘- Meu amor, como vou saber? Eu nem estava lá...
“Se de vez em quando Luz perdia o controle
sobre os sócios no cumprimento das normas do Clube Naturalista,
havia um mandamento sagrado do qual ela jamais abriu mão: o da nudez
total”.
Foto de Luz del
Fuego e seu ajudante na Ilha do Sol, na década de 60, tirada
por Paulo Pereira.
A verdade nua
A
verdade nua teve duas edições. A primeira, em 1948,
foi apreendida pela polícia. A segunda, dois anos depois, foi vendida
por reembolso postal.
Trata-se de um álbum,
em papel couche, no qual Luz lança as bases de sua filosofia naturista
e fala sobre suas experiências com as cobras e sua paixão
pela dança. O livro traz ainda 23 fotos: 20 delas mostram a vedete
e 3 suas cobras.
Abaixo estão reproduzidos
três capítulos: a apresentação (Duas palavras)
e outros dois que falam sobre seu início na dança e na busca
por amestrar cobras.
O texto dos capítulos
apresentados é transcrito da primeira edição do livro.
Foram apenas atualizadas as regras de acentuação e corrigidas
algumas palavras (dansa por dança, gibóia
por jibóia, trajédia por tragédia...).
Termos de época e erros estilísticos foram mantidos.
Duas palavras
Sou considerada pelos ignorantes, claro, como leviana,
exibicionista e criatura imoralíssima.
“A Verdade Nua” permitirá excelente
ensejo àqueles que há muito desejavam atirar a primeira
pedra e não tinham a precisa coragem.
Justamente porque faço tudo o que tenho em mente,
realizo as coisas que mais desejo, colocando em prática as teorias
que julgo acertadas, é que me censuram. Tiro da vida o que ela
me pode dar de bom, de agradável e útil.
Considero a morte como o presente chegado para o natural
descanso, para o sono definitivo.
Qual o motivo que nos obriga a refrearmos os nossos desejos?
Simplesmente o olho alheio. E o que nos importa o que é alheio,
se deles não dependemos? A meu ver, os nossos ideais estão
acima de qualquer preconceito pois a mocidade é curta e a hedionda
velhice inevitável.
Por que não se simplificam as leis a fim de melhor
aproveitarmos as pequenas grandes delícias que Deus nos concede
em tão rápida passagem?
Considero o pudor a mais ignóbil das virtudes.
Claro que quando se tem a desdita de possuir um corpo inestético,
ossos salientes e banhas “ex-abundantia” o pudor é
natural. Somente com o nudismo salvaremos a humanidade das perversões
inevitabilíssimas.
Se o homem tem um desejo, desde que não seja prejudicial
a outrem, que se lhe satisfaçam esse desejo. Para a fome temos
o pão, para a sede a água, para a imoralidade, a nudez.
Não existe indecência no corpo humano. Cobrindo-o
com vestes, nós é que o tornamos cobiçado e nos excitamos
pelo pensamento desviado.
Se a um menino de pouca idade apresentarmos desnuda outra
criança, uma menina, ele não irá ver imoralidade
nisso e vai acostumar-se-á a vê-la assim.
A sua adolescência se tornará mais calma,
sem as excitações costumeiras como as práticas solitárias
e os desvios sexuais.
A mocidade passará a encarar o nu como a coisa
mais natural do mundo. Veja-se a integridade anatômica e espiritual
dos culturistas, dos ginastas, dos que vivem ao ar livre praticando as
provas atléticas e o desporto.
Para esses o nudismo é um assunto morto. Não
se preocupam absolutamente em espiar um pedaço de perna ou um decote
mais profundo, como acontece com os mocinhos irritantes de beira de calçada,
que se masturbam cerebralmente à passagem de uma senhorita bem
proporcionada e de rosto agradável.
Se isso tudo fosse posto em prática desde que
as crianças começam a ter as percepções mais
acentuadas, teríamos uma adolescência mais proveitosa e uma
mocidade forte e capaz.
Para explicar o que acabo de dizer, divulgando as práticas
da cultura física e da dança, é que escrevi este
livro.
Reminiscências
Fora de colégios, minha preocupação
além das cogitações de ordem sensual, continuava
a de ser artista, de me tornar notável exibindo-me em público,
recebendo os aplausos, as palmas e as flores dos admiradores.
Assim eu ia ao cinema e, mais raramente, ao teatro, e,
quando regressava, punha-me ao espelho procurando repetir as poses e os
gestos que tinha visto na tela ou no palco.
A dança, entre as outras manifestações
de Arte, como já expliquei, fazia a minha imaginação
traçar planos gigantescos, aí eu era alcandorada aos pináculos
da carreira coreográfica.
Tanto fiz que arranjei meios de estudar danças
modernas. O professor tinha-me facilitado o aprendizado baixando os preços
das aulas. Em pouco tempo tive progressos verdadeiramente notáveis.
O meu mestre estimulado com a minha vocação despendia mais
tempo comigo e caprichava nas exigências e nos exercícios.
Depois de alguns meses tive o desejo de criar qualquer
coisa de novo, apresentar como surpresa ao mestre, um bailado crioulo,
verdadeiramente nacional, inédito. Para isso fui a procura de elementos
básicos de informações, às bibliotecas, aos
arquivos, às coleções particulares que me pudessem
informar quais as maneiras mais acertadas de colher os dados para a consecução
da minha dança.
Pensei então em dançar com cobras tipicamente
brasileiras, em amestrar onças ou jacarés para embasbacar
as platéias. Depois fui eliminando outros animais e deixando apenas
as cobras.
Qual a serpente mais apropriada para os meus bailados?
As venenosas, pela peçonha e pelos movimentos vagarosos, mesmo
que lhe tirassem os colmilhos e as bolsas de veneno, não serviriam;
restavam as grandes constritoras do Brasil, as sucuris e as jibóias.
Preferi, pela beleza do colorido, as últimas;
também as “boas” são mais elegantes, mais decorativas
e melhor amestráveis. As sucuris de cores escuras, muito grossas
e parece que ainda menos cerebradas, foram excluídas definitivamente.
Encomendei, pois, a um caçador, habituado às
selvas de Mato Grosso, uma jibóia de regular tamanho. Qual a minha
satisfação quando os criados me vieram anunciar que estava
ante-sala um mensageiro com um caixote contendo uma cobra!
Corri para receber a tão esperada visita. Achei
o caixão muito minguado para residência, mesmo provisória,
de uma jibóia.
Aberto o receptáculo vimos uma coisa avermelhada,
meio enroscada a um canto. Tratava-se de uma outra espécie de ofídio.
Tiramo-la para fora e procuramos acomodá-lo melhor. Em todo caso
era já uma cobra. Mas o que havíamos de lhe dar para alimentação?
Restos de comida ela nem tocava; mandei deitar insetos, depois verduras,
doces... Nada disso: o bicho jejuava. Alguém lembrou que se pegasse
um passarinho. Eu tive pena de lançar o bichinho para ser comido.
Ao cabo de dois dias experimentamos tirar a cobra do
caixote...
Criando alma nova, a danada escapuliu-se; foi para o
banheiro e sumiu-se talvez enfiada nalgum orifício dos encanamentos;
desesperei! Não dei o alarme receando as conseqüências...
Não é permitido ter serpentes em apartamento.
Depois de três dias o bicho apareceu no banheiro
de uma senhora moradora do primeiro andar. Havia descido pelo ralo. Houve
pânico, correrias, confusão. A cobra era uma coral!
Não sei como souberam que a cobra era minha! Fui
intimada pela Polícia a retirá-la do local. Quando fiquei
sabendo que o bichinho era venenosíssimo, fiquei fria de pavor.
Imaginem, ter que tirar aquilo de um banheiro! Muni-me dos restos de minha
antiga coragem e, pegando um pano grosso, consegui envolver o réptil
e atirá-lo dentro do caixão.
No dia seguinte presenteei-a ao Instituto Vital Brasil.
Resolvi desistir das cobras. Não foi sem tristeza
que tomei tal decisão. À noite sonhei com uma enorme piton,
como aquelas que estão no grupo de Laocoonte.
Serpentes
Um amigo de nome Alberto despertou-me novamente a velha
aspiração, contando-me que sabia de uma cobra justamente
como a que eu desejava. Finalmente acedi. Veio o animal. Achei-o magnífico!
Ele dissera-me que viera do Jardim Zoológico de Niterói.
O seu escamado estava todo marcado de cicatrizes, sinais
de ferimentos antigos e recentes. O animal mostrava-se manso, talvez devido
ao seu estado de desnutrição. Parecia faminto. Media mais
de dois metros.
Levei-o ao Circo Pavilhão Azul, onde eu conhecia
um palhaço de nome Cascudo que com todo o interesse amigo, ensinou-me
a tratar com a serpente. Aliás, diga-se de passagem, foi esse palhaço
a única pessoa que fez algo por mim não visando receber
qualquer espécie de pagamento. Tratava-me com todo respeito e atenção
e foi meu amigo.
Um belo dia o animal revoltou-se! Parecia outro. Foi
então que um naturalista que assistia a cena, avisou-nos de que
corríamos grave perigo de vida pois a jibóia era nada menos
do que uma feroz jararacuçu!
Calculem o meu horror! Decididamente eu não tinha
sorte com as cobras. Só animais venenosíssimos me vinham
às mãos e só por acaso ainda me não tinham
mordido.
A cobra devia ter tomado algum tóxico, estar moída
de pancada, para ter estado tanto tempo sem fazer uso de sua potentíssima
arma, os colmilhos terríveis. Jararacuçu! A maior e mais
terrível de nossas cobras virulentas! Os botes que ela desferiu
sobre Cascudo não foram coroados de êxito pela circunstância
de estar o palhaço com altas botas de couro e calçar luvas
adequadas.
O bicho foi morto, finalmente.
Pena! Eu já estava me acostumando com o ofídio!
Surgiu então novamente o nosso amigo Alberto.
Já sabedor do que acontecera, lançou a culpa sobre alguém
que eu não cheguei a conhecer, que o enganara, afirmando tratar-se
de jibóia.
Venceu ainda uma vez a minha vontade, e eu aceitei a
hipótese de receber ainda uma outra cobra.
Dias depois chegava a serpente. Aí veio mesmo
uma “boa constritor”. Não era muito maior que a jararacuçu.
Por precaução mandei que lhe arrancassem os dentes.
A coitadinha durou apenas sete dias.
É que com os dentes lhe haviam tirado também
a língua!
Mas uma “tragédia”... Mas o que aconteceu
comigo, então, foi reagir fortemente; quis com todas as minhas
forças possuir ser possuidora de uma grande serpente, domesticá-la,
dançar em público, envolvendo-me em suas perigosas espirais,
sentindo o contato das escamas ásperas e frias!
Alguns meses mais tarde, mediante trezentos cruzeiros,
consegui afinal a vinda de uma bravíssima jibóia medindo
quase dois metros e meio de comprimento. O animal era tão indomável
que o próprio Cascudo não se afoitava a por-lhe a mão.
Depois de bem alimentado o animal tornou-se mais acessível.
Quase três meses após, tirei-o da gaiola e a deixei-o solto
pelo apartamento. Quando a cobra aquietou-se a um ângulo da sala,
tentei segurá-la pelo pescoço, junto à cabeça,
conforme ensinara-me o amigo palhaço. Mas a bichinha esquivou-se
rapidamente e uma vez mais não realizei o meu desejo. Não
sei em que buraco se metera aquela bruta cobra! Dois dias mais tarde veio
ela deslizando sorrateiramente de debaixo de minha cama!
Deixei que se aclimatasse mais um pouco. Alimentava-a
regularmente com pequenos animais vivos, isto é, mandava que alguém
a alimentasse, pois eu tinha asco e pena de ver um pobre animal ser devorado
pela serpente. Ela enroscava-se pelos cantos e nós nos olhávamos
como duas amigas brigadas, não nos hostilizávamos e respeitávamo-nos.
Às vezes, quando eu sentia calor e estava deitada ao chão,
percebia que o ofídio se aproximava de mim. Certa noite teve coragem
e passou por sobre o meu corpo. Não senti medo, nem nojo.
Assim vivemos por algum tempo; não interferíamos
na vida uma da outra. A minha “amiga” parecia querer firmar
um pacto de não beligerância.
Uma tarde recebi a visita de Cascudo. Com assombro ela
não se opôs a que ele a tomasse do chão e a levantasse
a certa altura.
Experimentei tomar-lhe a cabeça, apertando-a levemente,
depois afrouxar os dedos e deixar que ela deslizasse pelas minhas pernas.
Deitava-me propositalmente para que o animal passasse sobre meu corpo.
Um dia deitei-me e ela veio acostar-se do meu lado. Noutra vez enroscou-se
às minhas costas.
Semanalmente comia um coelho. Nunca assisti ao seu almoço.
(1)
Isso para mim era e é sumamente desagradável.
É a parte mais árdua de minha convivência com os ofídios.
Sempre mando um criado incubir-se da alimentação. Quando
o criado não acostumado se nega a executar as ordens não
é difícil encontrar um desalmado que até se divirta
com essa barbaridade!
Catorze meses trabalhamos assim e a cobra estava completamente
dominada e dócil. Parecia um cão doméstico, aliás
um cão com alguma afeição pelo seu dono. Aí
ela alimentava-se com cobaias; duas por semana. A fatalidade me perseguia,
no entanto. Uma manhã achei o animal muito inquieto, agitava-se
muito desusadamente. Pensei que desejasse sair para alguma necessidade;
mas não era isso. Talvez tivessem mandado alguma cobaia já
infectada; o certo é que a serpente morreu antes do cair da noite.
Eu chorei como se tivesse perdido um filho!
Todo o meu grande e paciente trabalho estava perdido!
Ou desistir ou recomeçar novamente tudo, tudo!
Recomeçaria.
Encomendei duas jibóias. Iria trabalhar com duas.
Duas seriam as minhas discípulas, pois se uma desaparecesse, ficar-me-ia
outra para trabalhar; não deveria ser muito árduo ensinar
duas cobras em vez de uma só.
Vieram dois exemplares magníficos. Um casal! Mediam
aproximadamente três metros; a fêmea era um pouco maior. Muito
selvagens e famintas. Foi necessário que Cascudo viesse a ajudar-me.
Colocamos um grande cobertor no chão para agasalhá-las melhor.
Com grande surpresa, vimos que a fêmea havia engolido quase todo
o cobertor!
Pude, então, analisá-la à vontade.
Com os maxilares afastados, parecendo deslocados e o ventre muito dilatado,
eu podia ver-lhe os dentes em forma de serra. Calculei bem o perigo que
representava uma acometida de minhas visitantes.
Mas não podíamos deixar que o cobertor
mergulhasse por inteiro na boca imensurável do bicho. Eu puxava
de um lado pegando a ponta da coberta, e Cascudo segurando o rabo da gulosa,
dava tirões fortíssimos. Assim conseguimos que o pseudo-alimento
trajeto inverso, exteriorizando-se das fauces pavorosas do réptil.
O cobertor saía todo envolto em baba gosmenta! Uma coisa desagradabilíssima!
Cascudo segurava a cabeça do ofídio que já tinha
articulado a queixada. Depois disso a cobra foi aninhar-se num canto afastado.
O macho era sossegado, mais fácil de ensinar.
Depois de dez meses de treinamento, os animais estavam
como eu desejava. E estavam meus amigos. Não que o ciúme
deixasse de agir; é que o macho tinha zelos de nossa amizade e
atacava sempre a companheira. Fui mordida 120 vezes.
Mas, aos poucos, foram-se habituando às minhas
carícias mais coleantes, a ambos, e não mais procuravam-se
os “rinks” de competição física em que
tanto maltratavam as suas belíssimas escamas multicoloridas e exoticamente
desenhadas.
O tempo é o melhor mestre.
Hoje, quando chego dos passeios, sou esperada pelo casal
com demonstrações de júbilo exagerado, silvando e
chiando de maneira característica. Acontecem episódios bem
pitorescos certas ocasiões.
Por exemplo, as fugas, ao princípio me aborreciam
duplamente.
De um lado o prejuízo que me podia causar a perda
de um animal já bem acostumado a trabalhar comigo e a quem eu já
queria, de fato, bem; de outro os aborrecimentos múltiplos pelo
receio e mesmo pavor que os outros moradores vizinhos apresentavam, gritando,
berrando por vezes, em medonhos e furibundos escarcéus.
Certa vez noticiaram os diários a fuga de uma
terrível serpente! “FOGE DE UM ELEGANTE APARTAMENTO DE COPACABANA,
TERRÍVEL SUCURI!”
Claro que não foi nada disso.
Cornélio, o macho, havia se escondido durante
uma semana inteirinha... Levei o caso à polícia e fui socorrida
por um investigador muito gentil, mas inutilmente. A cobra tinha desaparecido
mesmo. Ao fim de sete dias, no entanto, sem que ninguém mais a
procurasse, saiu muito lampeira de um buraco que havia por detrás
do bidê . É fácil imaginar-se a minha alegria, dado
o meu estado de verdadeiro desespero.
(1) Em verdade, só
nos Estados Unidos fui obrigada a alimentar a boa.Trágico Black-out
Trágico
Black-out, livro de estréia de Luz del Fuego, foi lançado
em 1947.
A autora começa
dando possíveis explicações para as origens da prostituição
e do lesbianismo. O romance de 286 páginas apresenta, de forma
disfarçada, situações vividas por Luz. Seu irmão
Attilio conseguiu comprar mais da metade da edição de mil
exemplares e colocou fogo nos volumes. Na orelha da capa, era anunciado
um segundo livro com o título de Rendez-vous das Serpentes,
que nunca chegou a ser publicado.
Em nota introdutória, Luz apresenta o livro da
seguinte maneira:
Ao publicar o meu primeiro livro, a minha sensação
é a mesma de quando me desnudei diante do primeiro homem. É
a voz do íntimo que aqui se desnuda. Não é o “manto
diáfano da fantasia” que pretendo oferecer ao leitor e sim
aquilo que colhi dentro da vida, numa ampliação real dos
que vivem e amargam sob um sensualismo incontido, e em volta do qual vibram
numa inquietante inveja, numa constante ambição e num angustioso
duelo entre o Homem e o Dinheiro.
Não quis tornar o meu livro imoral com exaltações
de linguagem, tão explicáveis na vida de uma transviada.
Quis torná-lo simplesmente real, sabendo-se que pura arte e realidade
podem muitas vezes andar de mãos dadas. Tão real que a mera
prudência avisa nada terem de comum com o teatro da vida os personagens
e fatos nele contidos, senão possíveis coincidências.
Fui buscar nos anais da História a origem
da Prostituição, pois o mundo está repleto de sequazes
ou discípulos que ignoram completamente como surgiu este culto
a cujos altares tantas filhas de Eva se inclinaram ignaras de sua origem.
Certo não trago novidades, mas vulgarizo o que a História
guarda nos seus arquivos empoeirados e só surge em raro volume
especializado que os comodistas não procuram...
Luz del Fuego - A bailarina do povo
Luz
del Fuego - A bailarina do povo, de Cristina Agostinho, é a
principal referência literária para quem quer conhecer a biografia
de Dora Vivacqua. Projeto ganhador da Bolsa Vitae de Cultura, em 1989,
o livro foi editado em seguida e contou com a colaboração
de Branca de Paula e Maria do Carmo Brandão.
A autora Cristina Agostinho,
professora de inglês e literatura, escreveu a biografia de Dora
Vivacqua de uma maneira extremamente agradável de ler e recheada
de fotos que vão desde os avós de Dora ao resgate
dos corpos de Luz e do caseiro Edgar. O livro tem mais de 60 fotos
e reproduções de páginas de diário, capas
de revistas e livros e até de desenhos de Luz.
Filme
Luz
del Fuego teve parte de sua vida levada para as telas. O filme não
pode ser chamado de biográfico, mas apresenta, de forma livre e
romanceada, passagens da vida da vedete.
Dirigido por David Neves,
tem argumento e roteiro (lançado como livro) de Joaquim Vaz de
Carvalho. Lucélia Santos faz o papel título. O filme conta
com outros nomes conhecidos como Walmor Chagas, Joel Barcellos, Ivan Cândido,
Fábio Sabag, Ítala Nandi, Tamara Taxman, Cecil Thiré,
Guilherme Karam e Wilson Grey.Fontes:
Livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo, de Cristina Agostinho
http://www.memoriaviva.com.br/luzdelfuego/welcome.htm
Jornal Olhonu
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