sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Luz Del Fuego


Luz del Fuego, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no ES em 1917. Seu nome verdadeiro era Dora Vivacqua. Ela vem para o Rio na decada de 30 pois era amante de Jose Mariano Carneiro da Cunha Neto. Homem de uma importante familia carioca.
Na década de 40 ela ja se apresentava com suas serpentes no Circo Pavilhão Azul. Nessa época usava o pseudonimo de Luz Divina. Luz del Fuego veio depois, pois nome estrangeiro chamava mais atenção do publico.
 


Na decada de 50 Luz del Fuego vieu o seu auge, sendo persegiida pelos seus irmãos, politicos do ES, pois sua imagem e postura os prejudicava nas eleições. Lançou o livro chamado Tragico Black Out, onde entre outras revelações bombásticas pregava o naturismo (nudismo) e a alimentação vegetariana. Lançou um segundo livro chamado A Verdade Nua, onde publicou as bases do naturismo. O livro foi recolhido pelas autoridades e a segunda edição foi vendida por reembolso postal. Criou o PNB, Partido Naturista Brasileiro (imagina isso na década de 50!!), com o dinheiro arrecadado com as apresentações que fazia semi nua nas escadarias do Teatro Municipal na Cinelândia. Os familiares políticos conseguiram proibir o partido.
Teve um caso com o Ministro da Marinha e conseguiu uma ilha onde iria morar pelo resto da vida, a conhecida Ilha do Sol, onde fundou seu clube de naturismo.

O clube tinha regras muito duras como:
As roupas deviam ser deixadas na entrada, junto ao pequeno cais de madeira. Era terminantemente proibido levar bebidas alcoólicas, proferir palavrões ou praticar sexo na colônia. A diferença entre naturalismo e libertinagem era veementemente ressaltada: ‘Aqui não é rendez-vous nem motel. Se querem farra e sexo, fiquem nos seus apartamentos em Copacabana’.


Luz del Fuego foi julgada na 3a Câmara Criminal por suas atitudes de desacato à autoridade e ser internada num hospital para se curar de suas ideias de nudismo, natureza, ilhas desertas, etc. O julgamento começou a favor dela pois nada havia nos autos que indicasse que ela era insana.

Em 1967 foi assassinada pelos irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart “Gaguinho" que armaram uma emboscada para ela fazendo-a entrar no barco deles para supostamente pegar o dela que estava à deriva. Foi assassinada com golpes na cabeça. Seu vigia teve o mesmo fim. Os seus copros so foram encontrados submersos nas águas da Baia da Guanbara, proximos à Ilha do Sol, 13 dias depois, quando os assassinos já presos confessaram o crime e apontaram o local dos cadaveres.


Da infância à maioridade

  • 21 de fevereiro de 1917 - Nasce Dora Vivacqua, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Era madrugada de uma segunda-feira de carnaval. Dora foi a décima quinta filha de Etelvina e Antônio Vivacqua. Tinha adoração pela irmã Mariquinhas Vivacqua (“queria que ela fosse sua mãe”), musa de Carlos Drummond de Andrade.
Família Vivacqua - Dora está sentada, à direita - Foto do arquivo de família - Reprodução do livro 'Luz del Fuego - Bailarina do Povo'
  • Início dos anos 20 - A família Vivacqua se muda para Belo Horizonte, em Minas Gerais. Dora conhece o serpentário do Instituto Ezequiel Dias e este passa a ser seu passeio preferido.
  • 1929 - As seis filhas mais velhas do casal Vivacqua estavam casadas. Etelvina resolve voltar para Cachoeiro e ficar perto do marido. Nessa época, Dora entrava na adolescência e seu gênio assemelhava-se cada vez mais ao da irmã Mariquinhas. Não aceitava ordens nem opiniões sobre sua vida.
  • 29 de agosto de 1932 - Antônio Vivacqua, pai de Dora, é assassinado em Cachoeiro do Itapemirim por pessoas que, dias antes, ele havia despejado de um dos seus inúmeros terrenos. Rubem Braga e seu irmão, Newton Braga, foram os primeiros a chegar ao local do crime. Dora estava com quinze anos e se sentia sufocada na pequena Cachoeiro. Nem mesmo Vitória lhe era conveniente. Queria ir para o Rio de Janeiro. Abominava o uso do sutiã. Desfilava pela praia de Marataízes de calcinha e bustiê improvisado com lenços quando o biquini ainda estava longe de constar do vocabulário nacional. Com a morte de Antônio, Etelvina volta para Belo Horizonte. Dora também, mas logo em seguida vai para o Rio, então capital federal, sob a tutela de seu irmão Attilio.
  • Janeiro de 1936 - Dora está com 19 anos e vive um romance - inicialmente comemorado e agora já intolerado - com José Mariano Carneiro da Cunha Neto que pertencia a uma das mais importantes família do Rio. Attilio manda-a de volta para Minas onde sua irmã Angélica flagra - em sua própria cama - seu marido Carlos, um dos maiores empreiteiros do Brasil à época, bolinando Dora. A maior parte da família preferiu acreditar nas mentiras de Carlos e tomou Dora como esquizofrênica. Isso lhe custou dois meses de internação no Hospital Psiquiátrico Raul Soares, em Belo Horizonte, e dez quilos a menos.
  • 1936 - Seu irmão Achilles enfrentou Carlos e o proibiu de voltar à casa dos Vivacqua (o que não aconteceu até que Achilles morresse em dezembro de 1942). Preocupado com o estado que Dora saíra do hospital, Achilles a convence a passar uma temporada na fazenda de Archilau, outro irmão, quatorze anos mais velho que ela. Tinha liberdade até que apareceu como “Eva” - com três folhas de parreira presas nos seios e no púbis e duas cobras-cipós como braceletes - para o filho do administrador da fazenda, responsável em acompanhá-la onde quer que fosse. Quando repreendida por Archilau, jogou-lhe um vaso de cristal na testa. Toda essa rebeldia causou uma segunda internação, desta vez na Casa de Saúde Dr. Eiras, famosa clínica psiquiátrica do Rio de Janeiro. Achilles intervém mais uma vez e Mariquinhas resgata Dora, levando-a para morar com ela em Cachoeiro. Por pouco tempo. Dora foge para o Rio.
  • Novembro de 1937 - Dora está mais uma vez no Rio. Retoma seu romance com Mariano mas não aceita oficilizar a relação. Aventurou-se como pára-quedista, mas foi logo proibida por Mariano. Apaixonada, aceitou e viu no pedido uma demonstração de amor. As desavenças começariam quando decidiu fazer um curso de dança na academia Eros Volúsia.

O surgimento de Luz del FuegoLuz del Fuego e Domingos Risseto. - Foto do arquivo de D. Risseto

  • 1944 - E atenção, senhoras e senhores! Chegou o momento da grande atração da noite! Com vocês, a única, a exótica, a mais sexy e corajosa bailarina das Américas! Luz Divina e suas incríveis serpentes! Dora estava fazendo sua estréia como Luz Divina no palco do picadeiro do Circo Pavilhão Azul. Depois de dois anos, dezessete dias e quase uma centena de mordeduras, fazia seu espetáculo na companhia do casal de jibóias Cornélio e Castorina.
  • 1945 - A Segunda Guerra estava chegando ao fim e Dora anotava suas experiências pessoais em um diário. Naquele tempo haviam treinamentos de blackout que deixavam Copacabana às escuras, “preparando-se para imaginários ataques dos inimigos”.
  • 1947 - Luz Divina, por sugestão do amigo e palhaço Cascudo, mudaria o nome para Luz del Fuego, nome de um batom argentino recém-lançado no mercado. Segundo seu amigo, “nome estrangeirado atraía público”. Dora gostou da sugestão. A imagem do “fogo” representava bem sua nova opção de vida, já que antes ela era “água viva” (Vivacqua). Luz já havia salvado vários circos da falência com seus espetáculos e era contratada pela primeira vez pelo casal Juan Daniel e Mary Daniel, donos do Follies, um pequeno teatro em Copacabana. Capa de 'Trágico Black-Out'Suas falas - que ela nunca decorava - ficaram sob responsabilidade de um jovem membro da família que, aos doze anos, ingressava na carreira artística: Daniel Filho. O espetáculo Mulher de Todo Mundo fez muito sucesso. As notas na imprensa começaram a aparecer e, ainda que desvinculada do nome Vivacqua, as atividades de Luz causavam incômodo à família. Attilio havia sido eleito senador e ter uma irmã dançarina era um prato cheio para os adversários. Não bastasse isso, Luz resolve publicar seu diário com o título de Trágico Black-Out. Trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado, e fatos que aludiam a uma prostituição assumida davam o tom do livro. Attilio conseguiu comprar mais da metade da edição - mil exemplares - e colocar fogo nos volumes. Na orelha do livro, Luz anunciava um segundo com o sugestivo nome de Rendez-vous das Serpentes. Mas no ano seguinte (1948), ela publicaria A Verdade Nua, também autobiográfico e no qual lançava as bases de sua filosofia naturista. A família não precisou se preocupar desta vez, porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. A segunda edição foi vendida por reembolso postal. O dinheiro serviria para arrendar uma ilha na qual instalaria a sede de seu clube naturalista.
  • Capa de 'A Verdade Nua'1950 - As idéias naturalistas de vegetarianismo e nudismo apresentados em seu segundo ivro começavam a ser colocadas em prática. “Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder”. Luz começou a tornar públicas suas idéias em um país onde ainda não se usava maiô de duas peças nas praias e o culto ao corpo se resumia ao concurso de Miss Brasil. Começou então a reunir um pequeno grupo de amigas na praia de Joatinga, próximo a sua casa na avenida Niemeyer. Apesar de ser uma praia deserta devido ao difícil acesso, Luz levava Domingos Risseto, Miss Gilda e Miss Lana (estes dois, transformistas amigos de Luz), alguns cães e, claro, Cornélio e Castorina, “sua maior garantia contra os abelhudos”. Todo esse cuidado não impediu que a polícia chegasse até lá e levasse todos para a delegacia. Luz percebeu então que o nudismo lhe asseguraria estar em evidência.
  • Primeira metade dos anos 50 - Luz del Fuego causava furor por onde passava. Do Rio de Janeiro, passou a ser conhecida em todo o país. Seus shows eram garantia de bilheteria certa e levavam todos ao delírio. Era o tempo das vedetes: Mara Rúbia, Virgínia Lane, Dercy Gonçalves e Elvira Pagã, sua maior rival. Luz chegou a ser capa da revista Life, nos Estados Unidos. Doava rendas de seus espetáculos para instituições beneficentes fazendo leilões de si mesma. Foi multada e detida para interrogatórios várias vezes, depois alardeava em praça pública que o delegado - juiz ou prefeito - era muito duvidoso para seu gosto, porque “homem que é homem aprecia a beleza do corpo feminino”. E era detida outra vez, por desacato à autoridade. Seus irmãos se projetavam na política, no comércio e na área artística. O parentesco era inoportuno e eles a perseguiam cada vez mais. Attilio comprava edições inteiras de revista nas quais Luz aparecia e perdeu as eleições para governador no Espírito Santo (o adversário espalhara cabos eleitorais fantasiados de padres que andavam pelo interior do estado apregoando que o senador Vivacqua era irmão de uma mulher demoníaca). Luz tirava proveito da situação e, quando necessitava de dinheiro, ameaçava dançar nua nas escadarias do Senado. Attilio a chamava de chantagista, mas ela dizia que estava apenas cobrando a parte que lhe surrupiaram da herança paterna. Dizia que seu banco preferido era o “Preconceito S.A., de propriedade dos meus irmãos”. Enquanto isso Luz se cercava de amigos homossexuais e de seu principal parceiro no palco, Domingos Risseto. Criou o PNB - Partido Naturalista Brasileiro e conseguiu isto à custa de espetáculos gratuitos, seminua, nas escadarias do Teatro Municipal. Attilio conseguiu que o partido não fosse registrado. Luz seduziu o ministro da Marinha para conseguir a cessão de uma ilha para a sede de sua colônia. Conseguiu a ilha de Tapuama de Dentro, que tinha dois terços de seus oito mil metros quadrados formados de rochas, além de cactos e arbustos secos. Sentiu-se enganada e com vontade de desistir, mas isto não era de sua natureza. “Domingos”, gritou do alto de um rochedo, “não é linda a nossa Ilha do Sol?
  • Segunda metade dos anos 50 - A Ilha do Sol passou a ser uma das grandes atrações do Rio de Janeiro, apesar de não fazer parte dos roteiros turísticos oficiais. Várias estrelas do cinema americano conheceram a ilha: Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Powel, César Romero, Glenn Ford, Brigitte Bardot e Steve MacQueen, que encerrou sua temporada de uma semana na ilha depois de acordar com uma das jibóias de Luz sobre seu peito. Em 1959, a loiríssima Jayne Mansfield e seu marido aportaram na ilha, mas foram proibidos de descer pois Jayne não queria ficar nua.
  • Anos 60 - Luz passou a viver na e para a Ilha do Sol. Suas reservas financeiras foram terminando, a idade foi chegando e o mito começou a desaparecer. Seus amantes já não eram homens influentes e ricos. Envolveu-se com Júlio, um pescador musculoso e analfabeto, com quem manteve uma relação de muitos meses. Para que ele fosse vê-la diariamente, sustentava sua família em Paquetá. Seu último amor foi o guarda portuário Hélio Luís da Costa. Casado e com dois filhos, mandava o dinheiro de Luz para casa enquanto passava suas folgas na ilha. Os amigos quiseram alertá-la para um possível perigo do envolvimento com pessoas “deste nível”. Ela respondia que não se preocupassem e arrematava: “Eu sou uma Luz que não se apaga”.
  • Julho/agosto de 1967 - Os irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart “Gaguinho” armaram uma emboscada para Luz del Fuego no dia 19 de julho de 1967. As ações criminosas de Mozart haviam sido apontadas à polícia por Luz, e ele queria se vingar. Atraiu Luz ao seu barco e a matou. Fez o mesmo com o caseiro Edgar. O crime só foi desvendado duas semanas depois, a partir do depoimento que um coveiro deu aos jornalistas Mauro Dias, do jornal O Dia e Mauro Costa, do jornal Última Hora. Alfredo foi preso e confessou a participação nas mortes. Os corpos foram resgatados no dia primeiro de agosto. Gaguinho escapou de forma espetacular trocando balas com a polícia durante quinze dias. Somente depois de ter matado um cabo foi preso. A morte de Luz del Fuego poderia não importar à polícia, mas a de um colega militar, em plena ditadura, era algo imperdoável. Gaguinho foi preso e, junto com o irmão, condenado à pena máxima. Cumpriu sua pena no manicômio judiciário do Rio de Janeiro. Alfredo converteu-se a uma igreja evangélica e buscou o arrependimento e o perdão através de uma missionária de nome Dora. Ditou a um colega de cela os detalhes de seus crimes e chamou o relato de A Tragédia da Ilha do Sol.

Notícia do resgate dos corpos no Jornal do Brasil - 2 de agosto de 1967
O texto original foi mantido.

Pescador foragido confessa que matou Luz del Fuego com cumplicidade do irmão
Niterói (Sucursal) - Ao contrário do que disse à polícia anteontem, ao ser preso, o pescador Alfredo Teixeira Dias, foragido do Presídio-Geral do Estado do Rio, acabou confessando a autoria do assassinato de Luz del Fuego e do vigia Edgar, com a cumplicidade do irmão, Mozart Gaguinho. A confissão foi feita ontem, na delegacia de Vigilância e Capturas de Niterói.
     O pescador, que está prêso na Secretaria de Segurança Fluminense, declarou ao delegado Godofredo Ferreira da Silva Filho que êle e o irmão praticaram o crime na noite do último dia 19, entre as Ilhas do Sol e das Capuanas de Baixo. Revelaram que a vingança foi o motivo do assassinato, pois “há tempos Luz del Fuego nos denunciou”.
COMO FOI
     Em seu nôvo depoimento, Alfredo Teixeira Dias revelou que no dia 19, por volta das 18 horas, partiu com o irmão para a Ilha do Sol, onde não puderam desembarcar porque os cães da ex-vedete logo notaram a presença de estranhos. Conseguiram entretanto, com todo cuidado, cortar a corda que amarrava uma canoa de Luz del Fuego. Levaram-na até a Ilha das Capuanas, já planejando atrair a ex-vedete para uma armadilha.
     Mozart Gaguinho gritou então, chamando Luz del Fuego, que logo apareceu, de calça, à beira do cais, com um revólver calibre 38 na mão e perguntando o que “havia”. Gaguinho respondeu que a sua canoa se afastara.
     Disse Alfredo que Luz del Fuego não relutou em embarcar na canoa dos dois, a fim de recuperar a dela. Pouco depois, Mozart Gaguinho pediu que Luz del Fuego lhe entregasse a arma. Nesse momento, Alfredo deu uma pancada em sua cabeça, com um cacete. Em seguida, mais dois golpes fatais.
     Deixaram o corpo na Ilha das Capuanas de Baixo e voltaram à Ilha do Sol, onde chamaram o vigia Edgar. Pediram que êle trouxesse uma corda e um remo, a fim de que a canoa de sua patroa fôsse rebocada. Edgard, segundo disse Alfredo, não veio com os objetos solicitados, mas com uma foice. Hesitou um pouco, mas decidiu entrar no barco de Alfredo e Gaguinho, sentando-se entre os dois.
     Os dois cadáveres, colocados em uma baleeira com algumas manilhas e duas enormes pedras, depois de retiradas as vísceras, à faca, foram ao fundo a 200 metros da Ilha do Sol para onde, em seguida, Alfredo e seu irmão se dirigiram, assaltando a casa da vítima. Levaram para a Ilha do Pontal tudo que haviam encontrado de valor - uma radiovitrola, dois rádios de pilha portáteis, uma máquina de costura e NCr$ 80,00 (oitenta mil cruzeiros antigos) , encontrados numa bôlsa, sob um travesseiro. Apanharam ainda um lampeão a gás, várias tarrafas de nylon, um binóculo e os óculos de Luz del Fuego.
     Afirmou ainda Alfredo que, na madrugada do dia 21, Mozart Gaguinho o levou da lha do Pontal para a Ilha do Governador.
     Disse que há cerca de sete meses, Luz del Fuego indicou à Polícia o lugar onde êle, foragido do Presídio-Geral do Estado, estava escondido. Entretanto, Alfredo conseguiu “enganar as autoridades”. Quanto ao irmão, Luz del Fuego entregou-o certa vez à Polícia Marítima, que só não o prendeu devido a uma interferência do guarda portuário Hélio Luís.
NA PISTA DE GAGUINHO
     Mozart Gaguinho foi localizado ontem à noite, por policiais da Delegacia de Vigilância Fluminense, mas conseguiu fugir pelos fundos de uma casa, na Praia da Luz, em São Gonçalo, rompendo o cêrco a tiros e desaparecendo ao subir o Morro da Luz.
     Uma pessoa que deu alimentação ao criminoso foi quem levou a Polícia até onde êle se encontrava.
Marinha achou corpos perto da Ilha do Sol
     Os homens-rãs da Marinha retiraram às 13h30m de ontem os corpos de Luz del Fuego e do vigia Edgar do fundo da Baía da Guanabara, a menos de 100 metros da Ilha do Sol.
     Três lanchas do Corpo Marítimo de Salvamento auxiliaram os homens-rãs em seu trabalho, que durou várias horas e foi realizado sob a orientação de Alfredo Teixeira Dias, autor do crime, mas que dizia antes da confissão ter apenas ajudado a fazer desaparecer os cadáveres.
A LONGA BUSCA
     Os corpos permaneceram submersos durante 13 dias e foram encontrados ontem, finalmente, cortados de alto a baixo no abdome, cheios de pedras e amarrados à baleeira.
     O guarda portuário Hélio Luís, ex-amante de Luz del Fuego, e considerado como o principal suspeito até ontem, participou dos trabalhos de busca dos corpos nas proximidades da Ilha do Sol.
     As primeiras pistas que a Polícia obteve foram fornecidas pelo próprio Hélio Luís, que estêve durante uma manhã inteira à procura da amante. Na ocasião, levantou a possibilidade de assassinato e acusou o delinquente Mozart Gaguinho da autoria do crime.
Ilha do sol/ Anos 1950/Rio/Luz del Fuego
Foto: Paulo Pereira
Luz e amigos naturistas

 A Ilha do Sol

     O primeiro reduto naturista da América Latina, a Ilha do Sol, abrigava o Clube Naturalista Brasileiro, criado por Luz del Fuego. No livro Luz del Fuego - A bailarina do povo (páginas 218 a 220), Cristina Agostinho descreve como era a Ilha do Sol.
Luz com Domingos Risseto e sócias do Clube. Foto do arquivo de Risseto reproduzida do livro 'Luz del Fuego - A bailarina do povo'     “Nos fins de semana, os sócios do clube apareciam. Luz controlava tudo, mesmo com a ilha repleta de gente. As roupas deviam ser deixadas na entrada, junto ao pequeno cais de madeira. Era terminantemente proibido levar bebidas alcoólicas, proferir palavrões ou praticar sexo na colônia. A diferença entre naturalismo e libertinagem era veementemente ressaltada: ‘Aqui não é rendez-vous nem motel. Se querem farra e sexo, fiquem nos seus apartamentos em Copacabana’. Só eram permitidas as atividades saudáveis. Nadar, jogar vôlei, tomar banho de sol, etc.
     “Por mais ditatorial que fosse, Luz não conseguia ser onipresente nos oito mil metros de sua ilha e, por detrás dos panos, ou melhor, das pedras, os farristas acabavam transgredindo as regras. (...)
Capa do primeiro número da revista Naturalismo editada pelo Clube Naturalista Brasileiro     “Outro problema era controlar os atrevidos que passeavam ao redor da ilha para ver as pessoas nuas. Ninguém podia se aproximar sem autorização. Era perigoso. Corriam o risco até de levar tiro. Luz não permitia que os empregados usassem armas, mas, por cautela, seu trinta-e-oito estava sempre à mão. E que não duvidassem de sua pontaria! Diariamente a treinava. O velho Edgar e Luiz Mertelo, um mulato contratado para os serviços pesados, mantinham-se atentos aos intrusos. Mal eles apareciam, davam o alarme. (...)
     “O zelo pelos associados incluía proporcionar a eles um ambiente descontraído e alegre. Muitas vezes Luz preparava sketchs teatrais com Miss Lana e Risseto para diverti-los. Ou passava filmes-documentários sobre as colônias nudistas da Europa.
     “Mas a grande diversão na Ilha do Sol era os bailes de carnaval. A organização era primorosa. Cada pessoa que chegava recebia um cabide numerado para suas roupas e uma plaquinha com o mesmo número, para dependurar no pescoço. Depois de se molhar, o folião ganhava uma baforada de confete pelo corpo. Além desse, o único adereço permitido era a máscara.
Luz, capa de uma revista da Federação Naturalista Alemã - Anos 50 - Arquivo de Domingos Risseto     “A segurança era feita por guardas portuários escolhidos a dedo por Luz del Fuego em companhia de Risseto e Miss Lana. (...) Durante a festa, os guardas distinguiam-se dos foliões apenas pelo quepe. Da mesma forma, os garçons eram identificados pela gravatinha-borboleta.
     “A ilha ficava apinhada de gente. Com a finalidade de angariar fundos para as melhorias do clube, convites eram vendidos também a não-sócios.
     “Nessas ocasiões, Luz sabia ser impossível exigir a observância do regulamento. Depois de dar as boas-vindas aos convidados e supervisionar os serviços, ela escapava às escondidas. O circo que pegasse fogo! Quando os boatos de orgias na ilha começavam a circular e os jornalistas a procuravam, brindava-os com aquele famoso arzinho inocente:
     ‘- Meu amor, como vou saber? Eu nem estava lá...
     “Se de vez em quando Luz perdia o controle sobre os sócios no cumprimento das normas do Clube Naturalista, havia um mandamento sagrado do qual ela jamais abriu mão: o da nudez total”.
Foto de Luz del Fuego e seu ajudante na Ilha do Sol, na década de 60, tirada por Paulo Pereira


Livros
   
   

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A verdade nua
     A verdade nua teve duas edições. A primeira, em 1948, foi apreendida pela polícia. A segunda, dois anos depois, foi vendida por reembolso postal.
     Trata-se de um álbum, em papel couche, no qual Luz lança as bases de sua filosofia naturista e fala sobre suas experiências com as cobras e sua paixão pela dança. O livro traz ainda 23 fotos: 20 delas mostram a vedete e 3 suas cobras.
     Abaixo estão reproduzidos três capítulos: a apresentação (Duas palavras) e outros dois que falam sobre seu início na dança e na busca por amestrar cobras.
     O texto dos capítulos apresentados é transcrito da primeira edição do livro. Foram apenas atualizadas as regras de acentuação e corrigidas algumas palavras (dansa por dança, gibóia por jibóia, trajédia por tragédia...). Termos de época e erros estilísticos foram mantidos.

Duas palavras
Sou considerada pelos ignorantes, claro, como leviana, exibicionista e criatura imoralíssima.
“A Verdade Nua” permitirá excelente ensejo àqueles que há muito desejavam atirar a primeira pedra e não tinham a precisa coragem.
Justamente porque faço tudo o que tenho em mente, realizo as coisas que mais desejo, colocando em prática as teorias que julgo acertadas, é que me censuram. Tiro da vida o que ela me pode dar de bom, de agradável e útil.
Considero a morte como o presente chegado para o natural descanso, para o sono definitivo.
Qual o motivo que nos obriga a refrearmos os nossos desejos? Simplesmente o olho alheio. E o que nos importa o que é alheio, se deles não dependemos? A meu ver, os nossos ideais estão acima de qualquer preconceito pois a mocidade é curta e a hedionda velhice inevitável.
Por que não se simplificam as leis a fim de melhor aproveitarmos as pequenas grandes delícias que Deus nos concede em tão rápida passagem?
Considero o pudor a mais ignóbil das virtudes. Claro que quando se tem a desdita de possuir um corpo inestético, ossos salientes e banhas “ex-abundantia” o pudor é natural. Somente com o nudismo salvaremos a humanidade das perversões inevitabilíssimas.
Se o homem tem um desejo, desde que não seja prejudicial a outrem, que se lhe satisfaçam esse desejo. Para a fome temos o pão, para a sede a água, para a imoralidade, a nudez.
Não existe indecência no corpo humano. Cobrindo-o com vestes, nós é que o tornamos cobiçado e nos excitamos pelo pensamento desviado.
Se a um menino de pouca idade apresentarmos desnuda outra criança, uma menina, ele não irá ver imoralidade nisso e vai acostumar-se-á a vê-la assim.
A sua adolescência se tornará mais calma, sem as excitações costumeiras como as práticas solitárias e os desvios sexuais.
A mocidade passará a encarar o nu como a coisa mais natural do mundo. Veja-se a integridade anatômica e espiritual dos culturistas, dos ginastas, dos que vivem ao ar livre praticando as provas atléticas e o desporto.
Para esses o nudismo é um assunto morto. Não se preocupam absolutamente em espiar um pedaço de perna ou um decote mais profundo, como acontece com os mocinhos irritantes de beira de calçada, que se masturbam cerebralmente à passagem de uma senhorita bem proporcionada e de rosto agradável.
Se isso tudo fosse posto em prática desde que as crianças começam a ter as percepções mais acentuadas, teríamos uma adolescência mais proveitosa e uma mocidade forte e capaz.
Para explicar o que acabo de dizer, divulgando as práticas da cultura física e da dança, é que escrevi este livro.

Reminiscências
Fora de colégios, minha preocupação além das cogitações de ordem sensual, continuava a de ser artista, de me tornar notável exibindo-me em público, recebendo os aplausos, as palmas e as flores dos admiradores.
Assim eu ia ao cinema e, mais raramente, ao teatro, e, quando regressava, punha-me ao espelho procurando repetir as poses e os gestos que tinha visto na tela ou no palco.
A dança, entre as outras manifestações de Arte, como já expliquei, fazia a minha imaginação traçar planos gigantescos, aí eu era alcandorada aos pináculos da carreira coreográfica.
Tanto fiz que arranjei meios de estudar danças modernas. O professor tinha-me facilitado o aprendizado baixando os preços das aulas. Em pouco tempo tive progressos verdadeiramente notáveis. O meu mestre estimulado com a minha vocação despendia mais tempo comigo e caprichava nas exigências e nos exercícios.
Depois de alguns meses tive o desejo de criar qualquer coisa de novo, apresentar como surpresa ao mestre, um bailado crioulo, verdadeiramente nacional, inédito. Para isso fui a procura de elementos básicos de informações, às bibliotecas, aos arquivos, às coleções particulares que me pudessem informar quais as maneiras mais acertadas de colher os dados para a consecução da minha dança.
Pensei então em dançar com cobras tipicamente brasileiras, em amestrar onças ou jacarés para embasbacar as platéias. Depois fui eliminando outros animais e deixando apenas as cobras.
Qual a serpente mais apropriada para os meus bailados? As venenosas, pela peçonha e pelos movimentos vagarosos, mesmo que lhe tirassem os colmilhos e as bolsas de veneno, não serviriam; restavam as grandes constritoras do Brasil, as sucuris e as jibóias.
Preferi, pela beleza do colorido, as últimas; também as “boas” são mais elegantes, mais decorativas e melhor amestráveis. As sucuris de cores escuras, muito grossas e parece que ainda menos cerebradas, foram excluídas definitivamente.
Encomendei, pois, a um caçador, habituado às selvas de Mato Grosso, uma jibóia de regular tamanho. Qual a minha satisfação quando os criados me vieram anunciar que estava ante-sala um mensageiro com um caixote contendo uma cobra!
Corri para receber a tão esperada visita. Achei o caixão muito minguado para residência, mesmo provisória, de uma jibóia.
Aberto o receptáculo vimos uma coisa avermelhada, meio enroscada a um canto. Tratava-se de uma outra espécie de ofídio. Tiramo-la para fora e procuramos acomodá-lo melhor. Em todo caso era já uma cobra. Mas o que havíamos de lhe dar para alimentação? Restos de comida ela nem tocava; mandei deitar insetos, depois verduras, doces... Nada disso: o bicho jejuava. Alguém lembrou que se pegasse um passarinho. Eu tive pena de lançar o bichinho para ser comido.
Ao cabo de dois dias experimentamos tirar a cobra do caixote...
Criando alma nova, a danada escapuliu-se; foi para o banheiro e sumiu-se talvez enfiada nalgum orifício dos encanamentos; desesperei! Não dei o alarme receando as conseqüências... Não é permitido ter serpentes em apartamento.
Depois de três dias o bicho apareceu no banheiro de uma senhora moradora do primeiro andar. Havia descido pelo ralo. Houve pânico, correrias, confusão. A cobra era uma coral!
Não sei como souberam que a cobra era minha! Fui intimada pela Polícia a retirá-la do local. Quando fiquei sabendo que o bichinho era venenosíssimo, fiquei fria de pavor. Imaginem, ter que tirar aquilo de um banheiro! Muni-me dos restos de minha antiga coragem e, pegando um pano grosso, consegui envolver o réptil e atirá-lo dentro do caixão.
No dia seguinte presenteei-a ao Instituto Vital Brasil.
Resolvi desistir das cobras. Não foi sem tristeza que tomei tal decisão. À noite sonhei com uma enorme piton, como aquelas que estão no grupo de Laocoonte.

Serpentes
Um amigo de nome Alberto despertou-me novamente a velha aspiração, contando-me que sabia de uma cobra justamente como a que eu desejava. Finalmente acedi. Veio o animal. Achei-o magnífico! Ele dissera-me que viera do Jardim Zoológico de Niterói.
O seu escamado estava todo marcado de cicatrizes, sinais de ferimentos antigos e recentes. O animal mostrava-se manso, talvez devido ao seu estado de desnutrição. Parecia faminto. Media mais de dois metros.
Levei-o ao Circo Pavilhão Azul, onde eu conhecia um palhaço de nome Cascudo que com todo o interesse amigo, ensinou-me a tratar com a serpente. Aliás, diga-se de passagem, foi esse palhaço a única pessoa que fez algo por mim não visando receber qualquer espécie de pagamento. Tratava-me com todo respeito e atenção e foi meu amigo.
Um belo dia o animal revoltou-se! Parecia outro. Foi então que um naturalista que assistia a cena, avisou-nos de que corríamos grave perigo de vida pois a jibóia era nada menos do que uma feroz jararacuçu!
Calculem o meu horror! Decididamente eu não tinha sorte com as cobras. Só animais venenosíssimos me vinham às mãos e só por acaso ainda me não tinham mordido.
A cobra devia ter tomado algum tóxico, estar moída de pancada, para ter estado tanto tempo sem fazer uso de sua potentíssima arma, os colmilhos terríveis. Jararacuçu! A maior e mais terrível de nossas cobras virulentas! Os botes que ela desferiu sobre Cascudo não foram coroados de êxito pela circunstância de estar o palhaço com altas botas de couro e calçar luvas adequadas.
O bicho foi morto, finalmente.
Pena! Eu já estava me acostumando com o ofídio!
Surgiu então novamente o nosso amigo Alberto. Já sabedor do que acontecera, lançou a culpa sobre alguém que eu não cheguei a conhecer, que o enganara, afirmando tratar-se de jibóia.
Venceu ainda uma vez a minha vontade, e eu aceitei a hipótese de receber ainda uma outra cobra.
Dias depois chegava a serpente. Aí veio mesmo uma “boa constritor”. Não era muito maior que a jararacuçu. Por precaução mandei que lhe arrancassem os dentes.
A coitadinha durou apenas sete dias.
É que com os dentes lhe haviam tirado também a língua!
Mas uma “tragédia”... Mas o que aconteceu comigo, então, foi reagir fortemente; quis com todas as minhas forças possuir ser possuidora de uma grande serpente, domesticá-la, dançar em público, envolvendo-me em suas perigosas espirais, sentindo o contato das escamas ásperas e frias!
Alguns meses mais tarde, mediante trezentos cruzeiros, consegui afinal a vinda de uma bravíssima jibóia medindo quase dois metros e meio de comprimento. O animal era tão indomável que o próprio Cascudo não se afoitava a por-lhe a mão.
Depois de bem alimentado o animal tornou-se mais acessível. Quase três meses após, tirei-o da gaiola e a deixei-o solto pelo apartamento. Quando a cobra aquietou-se a um ângulo da sala, tentei segurá-la pelo pescoço, junto à cabeça, conforme ensinara-me o amigo palhaço. Mas a bichinha esquivou-se rapidamente e uma vez mais não realizei o meu desejo. Não sei em que buraco se metera aquela bruta cobra! Dois dias mais tarde veio ela deslizando sorrateiramente de debaixo de minha cama!
Deixei que se aclimatasse mais um pouco. Alimentava-a regularmente com pequenos animais vivos, isto é, mandava que alguém a alimentasse, pois eu tinha asco e pena de ver um pobre animal ser devorado pela serpente. Ela enroscava-se pelos cantos e nós nos olhávamos como duas amigas brigadas, não nos hostilizávamos e respeitávamo-nos. Às vezes, quando eu sentia calor e estava deitada ao chão, percebia que o ofídio se aproximava de mim. Certa noite teve coragem e passou por sobre o meu corpo. Não senti medo, nem nojo.
Assim vivemos por algum tempo; não interferíamos na vida uma da outra. A minha “amiga” parecia querer firmar um pacto de não beligerância.
Uma tarde recebi a visita de Cascudo. Com assombro ela não se opôs a que ele a tomasse do chão e a levantasse a certa altura.
Experimentei tomar-lhe a cabeça, apertando-a levemente, depois afrouxar os dedos e deixar que ela deslizasse pelas minhas pernas. Deitava-me propositalmente para que o animal passasse sobre meu corpo. Um dia deitei-me e ela veio acostar-se do meu lado. Noutra vez enroscou-se às minhas costas.
Semanalmente comia um coelho. Nunca assisti ao seu almoço. (1)
Isso para mim era e é sumamente desagradável. É a parte mais árdua de minha convivência com os ofídios. Sempre mando um criado incubir-se da alimentação. Quando o criado não acostumado se nega a executar as ordens não é difícil encontrar um desalmado que até se divirta com essa barbaridade!
Catorze meses trabalhamos assim e a cobra estava completamente dominada e dócil. Parecia um cão doméstico, aliás um cão com alguma afeição pelo seu dono. Aí ela alimentava-se com cobaias; duas por semana. A fatalidade me perseguia, no entanto. Uma manhã achei o animal muito inquieto, agitava-se muito desusadamente. Pensei que desejasse sair para alguma necessidade; mas não era isso. Talvez tivessem mandado alguma cobaia já infectada; o certo é que a serpente morreu antes do cair da noite. Eu chorei como se tivesse perdido um filho!
Todo o meu grande e paciente trabalho estava perdido!
Ou desistir ou recomeçar novamente tudo, tudo!
Recomeçaria.
Encomendei duas jibóias. Iria trabalhar com duas. Duas seriam as minhas discípulas, pois se uma desaparecesse, ficar-me-ia outra para trabalhar; não deveria ser muito árduo ensinar duas cobras em vez de uma só.
Vieram dois exemplares magníficos. Um casal! Mediam aproximadamente três metros; a fêmea era um pouco maior. Muito selvagens e famintas. Foi necessário que Cascudo viesse a ajudar-me. Colocamos um grande cobertor no chão para agasalhá-las melhor. Com grande surpresa, vimos que a fêmea havia engolido quase todo o cobertor!
Pude, então, analisá-la à vontade. Com os maxilares afastados, parecendo deslocados e o ventre muito dilatado, eu podia ver-lhe os dentes em forma de serra. Calculei bem o perigo que representava uma acometida de minhas visitantes.
Mas não podíamos deixar que o cobertor mergulhasse por inteiro na boca imensurável do bicho. Eu puxava de um lado pegando a ponta da coberta, e Cascudo segurando o rabo da gulosa, dava tirões fortíssimos. Assim conseguimos que o pseudo-alimento trajeto inverso, exteriorizando-se das fauces pavorosas do réptil. O cobertor saía todo envolto em baba gosmenta! Uma coisa desagradabilíssima! Cascudo segurava a cabeça do ofídio que já tinha articulado a queixada. Depois disso a cobra foi aninhar-se num canto afastado.
O macho era sossegado, mais fácil de ensinar.
Depois de dez meses de treinamento, os animais estavam como eu desejava. E estavam meus amigos. Não que o ciúme deixasse de agir; é que o macho tinha zelos de nossa amizade e atacava sempre a companheira. Fui mordida 120 vezes.
Mas, aos poucos, foram-se habituando às minhas carícias mais coleantes, a ambos, e não mais procuravam-se os “rinks” de competição física em que tanto maltratavam as suas belíssimas escamas multicoloridas e exoticamente desenhadas.
O tempo é o melhor mestre.
Hoje, quando chego dos passeios, sou esperada pelo casal com demonstrações de júbilo exagerado, silvando e chiando de maneira característica. Acontecem episódios bem pitorescos certas ocasiões.
Por exemplo, as fugas, ao princípio me aborreciam duplamente.
De um lado o prejuízo que me podia causar a perda de um animal já bem acostumado a trabalhar comigo e a quem eu já queria, de fato, bem; de outro os aborrecimentos múltiplos pelo receio e mesmo pavor que os outros moradores vizinhos apresentavam, gritando, berrando por vezes, em medonhos e furibundos escarcéus.
Certa vez noticiaram os diários a fuga de uma terrível serpente! “FOGE DE UM ELEGANTE APARTAMENTO DE COPACABANA, TERRÍVEL SUCURI!”
Claro que não foi nada disso.
Cornélio, o macho, havia se escondido durante uma semana inteirinha... Levei o caso à polícia e fui socorrida por um investigador muito gentil, mas inutilmente. A cobra tinha desaparecido mesmo. Ao fim de sete dias, no entanto, sem que ninguém mais a procurasse, saiu muito lampeira de um buraco que havia por detrás do bidê . É fácil imaginar-se a minha alegria, dado o meu estado de verdadeiro desespero.
(1) Em verdade, só nos Estados Unidos fui obrigada a alimentar a boa.
Trágico Black-out
     Trágico Black-out, livro de estréia de Luz del Fuego, foi lançado em 1947.
     A autora começa dando possíveis explicações para as origens da prostituição e do lesbianismo. O romance de 286 páginas apresenta, de forma disfarçada, situações vividas por Luz. Seu irmão Attilio conseguiu comprar mais da metade da edição de mil exemplares e colocou fogo nos volumes. Na orelha da capa, era anunciado um segundo livro com o título de Rendez-vous das Serpentes, que nunca chegou a ser publicado.
Em nota introdutória, Luz apresenta o livro da seguinte maneira:
Ao publicar o meu primeiro livro, a minha sensação é a mesma de quando me desnudei diante do primeiro homem. É a voz do íntimo que aqui se desnuda. Não é o “manto diáfano da fantasia” que pretendo oferecer ao leitor e sim aquilo que colhi dentro da vida, numa ampliação real dos que vivem e amargam sob um sensualismo incontido, e em volta do qual vibram numa inquietante inveja, numa constante ambição e num angustioso duelo entre o Homem e o Dinheiro.
Não quis tornar o meu livro imoral com exaltações de linguagem, tão explicáveis na vida de uma transviada. Quis torná-lo simplesmente real, sabendo-se que pura arte e realidade podem muitas vezes andar de mãos dadas. Tão real que a mera prudência avisa nada terem de comum com o teatro da vida os personagens e fatos nele contidos, senão possíveis coincidências.
Fui buscar nos anais da História a origem da Prostituição, pois o mundo está repleto de sequazes ou discípulos que ignoram completamente como surgiu este culto a cujos altares tantas filhas de Eva se inclinaram ignaras de sua origem. Certo não trago novidades, mas vulgarizo o que a História guarda nos seus arquivos empoeirados e só surge em raro volume especializado que os comodistas não procuram...

Luz del Fuego - A bailarina do povo
     Luz del Fuego - A bailarina do povo, de Cristina Agostinho, é a principal referência literária para quem quer conhecer a biografia de Dora Vivacqua. Projeto ganhador da Bolsa Vitae de Cultura, em 1989, o livro foi editado em seguida e contou com a colaboração de Branca de Paula e Maria do Carmo Brandão.
     A autora Cristina Agostinho, professora de inglês e literatura, escreveu a biografia de Dora Vivacqua de uma maneira extremamente agradável de ler e recheada de fotos que vão desde os avós de Dora ao resgate dos corpos de Luz e do caseiro Edgar. O livro tem mais de 60 fotos e reproduções de páginas de diário, capas de revistas e livros e até de desenhos de Luz.


Filme
     Luz del Fuego teve parte de sua vida levada para as telas. O filme não pode ser chamado de biográfico, mas apresenta, de forma livre e romanceada, passagens da vida da vedete.
     Dirigido por David Neves, tem argumento e roteiro (lançado como livro) de Joaquim Vaz de Carvalho. Lucélia Santos faz o papel título. O filme conta com outros nomes conhecidos como Walmor Chagas, Joel Barcellos, Ivan Cândido, Fábio Sabag, Ítala Nandi, Tamara Taxman, Cecil Thiré, Guilherme Karam e Wilson Grey.







Fontes:
Livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo, de Cristina Agostinho
http://www.memoriaviva.com.br/luzdelfuego/welcome.htm
Jornal Olhonu

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